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Um rio mais a atravessar

12/8/2017

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Segui o Danúbio de Viena (Áustria) a Budapeste (Hungria), e então suas proximidades em Bucareste (Romênia). Realizando sonho antigo, viajei de trem nos trajetos entre as cidades. 

Parque Freud Viena
Parque Sigmund Freud, Viena


​Viena

​Em Viena, relembrei o prazer que extraio de estímulos intelectuais e artísticos. Inspirei-me com os estudos e produção intelectual incansável do Freud no museu instaurado na casa dele. No dia seguinte, perdi, contente, quase todo meu tempo restante no majestoso Museu de História da Arte. 
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Museu Freud
Charutos e produção. Museu Freud, Viena.
Museu de História da Arte de Viena
Museu de História da Arte, Viena.

​​Existe um conceito interessante em nossos tempos loucos chamado Fear of Missing Out (Medo de Ficar por Fora). Ele corresponde à ansiedade de não preencher a vida com o que se deveria, em comparação com experiências aparentemente recompensadoras de outras pessoas. Pode ser a ansiedade de ter que visitar um evento que todos estão falando (ex. Rock in Rio), tirar uma foto engraçada num local em que todos tiram, estar atento e participando das redes sociais com a mesma frequência que os amigos, etc. Recentemente li um texto que falava, em oposição, de Joy of Missing Out (Alegria de Ficar por Fora), mas deixemos esse para outro dia. 
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​O interessante para mim foi perceber que estava tão feliz em meio às obras do Museu de História da Arte, que a atração planejada para metade de um dia consumiu um dia inteiro com prazer. 
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Santa Giustina e un devoto – Moretto da Brescia
Santa Justina e um devoto, Moretto da Brescia.
Imagem
A queda dos anjos rebeldes, Luca Giordano.

​“Busque o que gosta através de múltiplas fontes”, me comentou um amigo, sobre um texto budista que não recordava bem qual, “porém uma vez que encontre, agarre — já não precisa seguir procurando mais”. Não nos basta encontrar alegrias; cismamos que outras superiores estão escondidas em algum lugar, nos esperando. Gratidão — a fórmula básica de todas as boas pregações espirituais.

​Não conheci muito de Viena. Agora, já o Museu de História da Arte...!
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Arte da Pintura - Veermer
A Arte da Pintura, Johannes Vermeer.


​Budapeste

​Budapeste é uma cidade encantadora. Apaixonei-me tão logo desci do trem. Há cidades que transpiram suas belezas tão sutilmente que elas parecem nos alcançar pelo ar. Estão na combinação quase imperceptível de árvores depenadas diante de edifícios baixos e ocreados, que sussurram “aqui há história”. 
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Budapeste
Budapeste.
Hostal Budapeste
Escada do albergue, Budapeste.

​Também lá me afoguei em museus, mas Budapeste me ofereceu ainda uma marca de vida diferente. Havia uma ponte que cruzava o Danúbio, de Peste, onde me hospedei, a Buda, a cidade ocupada pelos otomanos e que floresceu com outra carga cultural. Sentei-me para tomar o café-da-manhã diante da ponte e quase que naturalmente a realidade me brindou com a metáfora — um rio a mais.

Trata-se de uma canção do Alan Parsons Project:
​Don't look back 'cause there's one more river.
Don't turn your back, you got one more river to cross.
No more fightin', no more dyin'.
​No more cheatin', no more lyin'.
​

​Ali estava o sentido da vida que precisava naquele momento, sem nenhum grande salto espiritual. Em vez de optar por um sanduíche tradicional, escolhi um de queijo de cabra com preiselbeeren (uma parente de amora).
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​Depois, atravessei o rio.
​
Ponte da Liberdade Budapeste
Ponte da Liberdade, de Peste a Buda.


​A bucareste e de volta

Curioso que terminei de ler O Mito de Sísifo no trem de Budapeste a Bucareste, após minha própria epifania existencial. Já havia lido a primeira parte do livro, na qual Albert Camus habilmente demonstra como a ciência, a religião e a filosofia denotam nosso autoengano ao pretender encontrar certo sentido no mundo que, na verdade, não nos está disponível. 
​
​Embora ainda historicamente relevante, a praxis proposta por Camus na segunda parte do livro beira o pueril. Mais claramente: são um tanto bobas e forçadas as sugestões sobre como uma pessoa deveria conduzir a vida ao reconhecer o absurdo do mundo. Após tanto criticar os saltos argumentativos dos outros, pratica ele próprio uns ornamentais ao concluir que, diante do absurdo, a quantidade de experiências vale mais que a qualidade — e o que significaria tal quantidade.
Imagem

​Que seja. Passar horas sozinho num quarto frio em movimento sem sinal de celular foi suficientemente precioso.
Trem a Bucareste
Vista do quarto e vizinhos sempre mutáveis, trem de Budapeste a Bucareste.
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​Apesar de ficar uma semana em Bucareste, quase todo o tempo foi tomado por um treinamento. No último sábado, aproveitei o relaxante parque principal da cidade e mais alguns museus.
Bucareste
Com algum herói romeno de turbante que não me dei o trabalho de verificar, Bucareste.
Parque Herăstrău - Bucareste
Parque Herăstrău, Bucareste.

​​Além de bons filmes no avião (os marcantes Denial e Animais Noturnos, mais a recuperação do atraso Marvel com Capitão América – Guerra Civil), o que definiu meu retorno a Quito foi um sono que durou dias. 
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​De qualquer forma, voltei acompanhado de uma nova certeza de vida. Das confortáveis, a mais realista que encontrei até hoje: há ainda um rio mais a atravessar. 
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    Rodrigo Bahia, carioca que alterna carreira jurídica mundo afora com os prazeres e descobertas da filosofia e da literatura.

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