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Esse Obscuro Sujeito do Desejo - Natalie Portman

5/20/2018

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Ao recomendar para minha família o brilhante argumento da Natalie Portman sobre os recentes movimentos de Hollywood contra o assédio, que se alastrou para outras indústrias (especialmente no entretenimento), mas que foi criticado por alguns como excessiva caça às bruxas ou puritanismo anacrônico, não pude encontrar uma versão em português. Pior, encontrei apenas matérias que pinçaram os relatos de sentimento de assédio como se o texto se limitasse a revelações de uma nova vítima. Por ser a autonomia humana um tema de meu maior interesse, o qual rege, para lá ou para cá, minhas opiniões políticas, me vi impelido a apresentar uma versão em português. Se eu ou esse espaço é o mais apto para esse esforço, não sei. Deixo a tradução livre para reprodução, recomendando sempre manter o link para o original da Portman. 
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ESSE OBSCURO SUJEITO DO DESEJO
​NATALIE PORTMAN

​https://medium.com/@natalieportman/that-obscure-subject-of-desire-f2e2bd09db8c

Vamos falar sobre prazer. Eu sigo escutando uma queixa específica sobre esse deslocamento cultural, e talvez você tenha escutado também. Algumas pessoas têm chamado esse movimento de puritano ou um retorno a valores vitorianos, em que os homens não podem se comportar ou falar sexualmente em torno de mulheres graciosas, delicadas e frágeis. Para essas pessoas eu quero dizer:

O sistema atual é puritano. Talvez os homens possam dizer e fazer o que queiram, mas as mulheres não. O sistema atual inibe mulheres de expressar nossos desejos, vontades e necessidades, de buscar nosso prazer. Permita-me contar minha própria experiência:
 
Eu fiz 12 anos no set do meu primeiro filme, O Profissional, no qual eu interpretei uma jovem que faz amizade com um assassino de aluguel e espera vingar a execução de sua família por um agente corrupto da Divisão Anti-Drogas da Polícia. A personagem está simultaneamente descobrindo e desenvolvendo sua feminilidade, seu desejo e sua voz. Naquele momento da minha vida, eu, também, estava descobrindo minha própria feminilidade, meu próprio desejo e minha própria voz.

Eu estava muito animada, aos 13 anos, quando o filme foi lançado e meu trabalho e minha arte receberiam uma resposta humana. Eu abri entusiasmadamente minha primeira carta de fã, para ler uma fantasia de estupro que um homem tinha escrito para mim. Uma contagem regressiva começou no programa da rádio local para o meu aniversário de 18 anos, eufemisticamente a data em que eu estaria lícita para dormirem comigo. Revisores de filmes falaram sobre os meus “seios brotando” em suas críticas. Compreendi muito cedo, mesmo aos 13 anos, que se eu fosse me expressar sexualmente, me sentiria insegura, e que homens se sentiriam aptos a discutir e objetificar meu corpo, para meu enorme desconforto.

Eu rapidamente ajustei meu comportamento. Rejeitei qualquer papel que tivesse até mesmo uma cena de beijo, e falei deliberadamente sobre essa escolha em entrevistas. Enfatizei minha seriedade e dedicação aos livros, e cultivei um modo de me vestir em público que era estereotipicamente "elegante e refinado". Construí uma reputação por ser basicamente pudica, conservadora, nerd e séria - numa tentativa de sentir que meu corpo estava seguro e minha voz seria escutada.

Aos 13 anos, a mensagem da nossa cultura estava clara para mim. Senti a necessidade de cobrir meu corpo e de inibir minha expressão e meu trabalho, para enviar minha mensagem ao mundo de que eu era alguém digna de segurança e respeito. A resposta à minha expressão -- de pequenos comentários sobre meu corpo a declarações mais ameaçadoras e deliberadas -- serviu para controlar meu comportamento, através de um ambiente de terrorismo sexual -- onde até uma mulher que não está diretamente sujeita a agressão se sente ameaçada pelo ambiente de violência a inibir seu comportamento.

Um mundo em que eu pudesse vestir o que quisesse, dizer o que quisesse e expressar meu desejo como quisesse, sem temer pela minha segurança física ou reputação -- esse seria o mundo no qual o desejo e a sexualidade feminina poderiam ter sua expressão e satisfação mais ampla. Esse mundo que queremos construir, e é o oposto de puritano.

Uma das minhas amigas da escola costumava brincar: “às vezes é mais fácil apenas beijar o cara do que explicar para ele por que você não quer.” Todas ríamos, mas a mensagem era clara -- estávamos mais preocupadas sobre ofender o cara, ou ser desconfortável com ele, ou ferir seus sentimentos, do que fazer o que queríamos fazer.

Como meninas, fomos socializadas para passar nosso tempo nos fazendo parecer atraentes para os garotos -- nossos cabelos, nossa maquiagem, nossos corpos. Aprendemos nossos melhores ângulos para eles, as coisas que eles gostavam que falássemos -- e as coisas que não. Éramos capazes de nos ver através de seus olhos e ditar nosso comportamento de acordo com o jeito que eles queriam que tivéssemos. E isso nos fez, às vezes, esquecer de perguntar o que nós mesmas queríamos. E muitas vezes nos fez incapazes de até mesmo saber o que nós mesmas queríamos, porque estávamos tão aprisionadas pelos pensamentos sobre o que eles queriam.

Bem, vamos fazer nosso novo mundo não sobre nós e eles, sobre a nós ou a eles. Considerar o que outra pessoa deseja não é ruim. Na verdade, é uma forma de empatia. A consideração só precisa ser recíproca, e não às custas do desejo de uma das pessoas.

Então eu queria propor uma maneira de continuar movendo essa revolução adiante: Vamos declarar alto e claro: Isso é o que eu quero. Isto é o que eu preciso. Isso é o que eu desejo. É assim que você pode me ajudar a atingir prazer.

Para as pessoas de todos os gêneros aqui conosco hoje, vamos encontrar um espaço em que nós, mutuamente e consensualmente, cuidemos do prazer um do outro, e permitamos que a vasta, ilimitada gama de desejos possa ser expressada.
​
Façamos uma revolução do desejo.
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Thomas Lee link
10/16/2022 01:55:24 pm

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    Rodrigo Bahia, carioca que alterna carreira jurídica mundo afora com os prazeres e descobertas da filosofia e da literatura.

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