Se tento enxergar longe, é por escalar, vagarosamente, ombros de gigantes.
Pera -- natureza animal? Antes, certo senhor sistematizou a descoberta que provavelmente ainda é a mais importante na lógica da realidade. Arrependido por não ter tocado ainda seus diários de viagem, mas contente por ter ao menos lido mais da metade do "Origem..." e umas tantas páginas do "Descendência...", estive onde Darwin perdeu as botas. Ele ficou apenas pouco mais de um mês em Galápagos. Mas ao coletar e observar diferentes espécies de aves entre as ilhas do arquipélago, especulou que elas migravam entre as ilhas, porém só sobreviviam em cada ilha aqueles indivíduos com os traços melhor adaptados. Assim como o homem “forçava” a prole de melhores cavalos ao reproduzir somente aqueles com os traços mais desejáveis, a natureza “forçava” a permanência de indivíduos melhor adaptados à complexidade do ambiente – e essa permanência desenvolvia as diferentes espécies. A lógica demoliu séculos de especulação filosófica. Nas palavras do gênio:
Sobre a Origem da Subjetividade por meio de Seleção Natural Muito mais que descobrir que espécies descendem umas das outras, Darwin explicou o processo pelo qual isso ocorre. Talvez nem o próprio naturalista tivesse ideia do impacto de sua sistematização, nas ciências que lhe seguiriam. Do tamanho dos rombos que ele deixou nas muralhas entre natureza e cultura. O fato de enxergarmos somente as sombras da caverna de Platão, subitamente, pôde ser entendido como um traço adaptativo, tal como as penas de uma galinha. As fantasias que, segundo os caminhos abertos por Freud, possibilitaram que nos puséssemos de pé e tocássemos flautas, foram variações fundamentais para o desenvolvimento e permanência dessa nova espécie esquisitíssima, a única que compreende que vai morrer assim como todos os que ama, a única capaz de refletir sobre a destrutividade inerente a seus instintos de agredir, devorar e copular. Somente vestindo fantasias podemos acender velas e desejar muitos anos de vida a quem amamos; podemos subjugar outros de nossa espécie em esportes ou jogos de poder profissional; compramos ingredientes orgânicos e uma garrafa de vinho para fazer um risoto; escrevemos poesias sobre a tal beleza do tal amor. Seleção Sexual, Estética e Desejo Mas a teoria da seleção natural teve que enfrentar um paradoxo desde seus primórdios. Se a luta (inconsciente) pela sobrevivência rege os traços preservados de cada indivíduo, por que o pavão (como exemplo) evoluiu para se tornar tão gracioso, tornando-o uma presa tão mais fácil a seus predadores? Levando o problema para a estética humana, por que a protagonista de Cisne Negro... se comporta como a protagonista de Cisne Negro? Uma hipótese interessante é a de que apenas os primeiros traços sutis de alguma forma significavam melhor adaptabilidade. Um pavão com uma cauda um pouco maior ou um pouco mais colorida era selecionado porque gerava prole com mais saúde física, por exemplo. Porém, não somente os genes da cauda são passados adiante, mas também os genes de atração pela cauda. Os genes de atração garantiam que as proles selecionariam sexualmente os pares mais saudáveis. Só que uma vez que ambos conjuntos de genes são passados às proles, o sistema de atração e perpetuação “roda sozinho”, ou seja, não precisa mais estar vinculado à sobrevivência dos indivíduos em si. Logicamente, também não podem impedir a sobrevivência, e por isso não prosperam pavões com cauda tão grande que não possam caminhar. Dadas as mínimas condições de sobrevivência, os genes de atração e exageros de atratividade (que podemos passar a chamar de "estéticos") se ajudam mutuamente a se proliferar. As variações que passamos adiante (genes) não definem completamente nosso comportamento, mas nossas ações estão confinadas aos limites das capacidades de nossos genes. É possível manobrar, porém desde que dentro da estrada que o gene já definiu. Por essa razão uma vida dedicada à beleza, como por exemplo a de Van Gogh, que não ajudou nem na sua sobrevivência nem na geração de prole, ainda assim pode ser explicada no contexto da seleção natural, pois a dedicação à estética é um dos caminhos abertos por nossos genes de atração. Esses sistemas que rodam independentemente de ganhos para a sobrevivência são cruciais para entender a humanidade. Definem grande parte de nossa existência e se estendem para a composição complexa daquilo que chamamos de cultura. Por essa razão nossos cérebros evoluíram muito além do requerido para vencermos os neandertais, aprendemos a valorizar comportamentos autodestrutivos como o de muitos santos, e seguimos evoluindo culturalmente na direção... Na direção... Retorno à fantasia Fico tentado a falar de como a percepção de que a lógica fria da natureza não quer nada conosco pode levar a atitudes opostas como o existencialismo tanto-faz ou o desejo de colonizar outros planetas, este último como se a sobrevivência eterna de nossa espécie (ou das que descenderão de nós) fosse um chamado cósmico, uma vocação. Só que a ideia aqui é falar de Galápagos e subjetividade, e já me perdi bastante. Voltemos. David Lynch é um cineasta Hollywoodiano, um tanto odiado por sua adaptação de Duna. Bem, eu não li o livro, então até que gostei. Ele é famoso pelo brilhante Veludo Azul, que já traz alguns elementos que ele exagerou em outros filmes como Estrada Perdida e Cidade dos Sonhos. O que vemos na tela, muito mais que a tentativa de reprodução filmada de uma história observável na vida real, são memórias contaminadas por fantasias; olhares sobre o mundo contaminados por fantasias; puro entretenimento mental de fantasias. Tolices, se poderia pensar. Mas não é a nossa experiência humana permeada por esse tipo de tolice? Não tomamos banho às vezes imaginando uma conversa que jamais acontecerá? Não brincamos de adulterar as memórias que temos de certos eventos, colocando imagens e sensações sobre “o que aconteceria se eu tivesse feito isso ou aquilo”? Não planejamos festas em parte com listas e em parte com ilusões sobre como ela se desenrolará? Uma viagem a Galápagos nunca é somente uma viagem. O que nos move adiante e nos faz juntar dinheiro para uma viagem, um carro ou uma casa de campo são fantasias confusas sobre o que o futuro pode ser e o que pode significar para nós, assim como nos apegamos seletivamente a elementos do passado que ajudam a construir a narrativa de nossa vida. Para um exemplo mais prático: vejo muito pela internet a frase do Robin Williams:
Não sei se quem a reproduz percebe que essa é uma narrativa pessoal e subjetiva de um homem doente – que terminou por tirar a própria vida. E outros muitos artistas famosos perdem o gosto pela vida quando a fantasia confusa sobre um futuro desejável se torna um dia-a-dia inescapável. A intoxicação se torna a melhor – ou única – saída percebida para seguir existindo. É perigosa a combinação entre narrativas negativas sobre o passado e ausência de novas fantasias para o futuro. Da mesma forma, também entretemos narrativas e fantasias coletivas. A realidade da espécie humana é fundamentada em ficções adaptativas como família, propriedade, ética, utopias, etc. Azuis Eu cultivo um duplo interesse nessas questões de subjetividade: primeiro, estudar e trabalhar para transformar certas narrativas coletivas de nossos sistemas políticos e econômicos. Não tenho especial preocupação com a sobrevivência da espécie humana, mas sim que os indivíduos existentes ou por existir estejam menos constritos por forças indesejadas. Em segundo lugar, contemplar minhas próprias fantasias individuais ou aprender com fantasias alheias. Há quem goste de viver as fantasias sem observá-las, há quem goste de esmiuçá-las; a grande ilusão é pensar que se pode viver sem elas. Deixei Galápagos com um delineamento de um conto Lynchiano, título provisório “Azuis”. No que eu conheci de Lynch, o escape para a fantasia tem como gatilho eventos supertraumáticos; minha ideia é trabalhar as fantasias em situações mais prosaicas. Claro que, me conhecendo, escreverei tão rápido quanto as tartarugas gigantes atrás de seu café da manhã... Se gostar do resultado, no mínimo ganhei um novo hobby de buscar elementos oníricos nas minhas viagens. Para que mesmo? Ah, sim, o sistema roda sozinho.
2 Comments
11/15/2022 11:07:41 pm
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Setembro 2018
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Sobre MimRodrigo Bahia, carioca que alterna carreira jurídica mundo afora com os prazeres e descobertas da filosofia e da literatura.
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