Atualmente morando no Equador, tive a ideia de montar esse espaço online para que o compartilhamento de algumas ideias me incentive a viajar e escrever mais. Como essa é a primeira publicação, não sei ainda como vai ser a dinâmica. A princípio buscarei ser breve nos relatos e livre nas ponderações. Decidi começar por uma viagem de 2016: Itacolomi e Lavras Novas. ItacolomiOuro Preto é conhecida por conter uma variedade de atrações culturais. Quando pesquisei um lugar para acampar por uns dias e percorrer alguma travessia, não fazia ideia da existência do Parque do Itacolomi, muito menos do inesperadamente bucólico vilarejo vizinho de Lavras Novas. O Pico do Itacolomi marca, um tanto fálico, a paisagem de Ouro Preto. Mas as paisagens que o percurso até seu topo oferece são ainda mais inspiradoras. Havia acampado no parque no dia anterior (onde terminei a leitura que me havia imposto como missão: Moby Dick), então pude subir cedo e quase não encontrar ninguém pelo caminho.
No trajeto, a combinação de silêncio, rochas e paisagens abertas sempre ajuda a me situar diante da redentora e libertadora insignificância humana. Aos pés, escarpa verde e macia Névoa acolhe, por cima e Jano, petrificado, silencia: És escarpa, és neblina Lavras NovasSabiamente escolhi uma segunda-feira para fazer a travessia da Estrada Real que liga Ouro Preto a Lavras Novas, de aproximadamente 5 horas de caminhada. Total de pessoas encontradas pelo caminho: 0. Bem no início cheguei a ouvir um pouco de Depeche Mode. Depois, só me acompanharam o silêncio, a observação e o peso do mochilão nas costas (minha barraca era de quatro lugares — definitivamente não recomendo para uma viagem solo...!).
No início da viagem, no ônibus a caminho de Belo Horizonte, idealizei e rascunhei o ensaio Paisagens Interiores (inspirado na definição que Maria Popova faz de "alma", reproduzida mais abaixo). Paisagens InterioresVejo uma paisagem. Uma lagoa, uma gaivota. Ela se torna, dentro de mim, inúmeras. Convoca paisagens precedentes, outros lagos, outras gaivotas, desenhadas, pintadas, repetidas em fotografias sucessivas numa sala de cinema, em outros climas e cidades, sob tempestades, sob sóis. E inflama, ainda, fantasias de paisagens que ainda virão — lagos, voos, vivências e experiências que temo, que desejo, ou ambos. Ao viajar, o mundo fica grande e pequeno. Grande porque as luzes na estrada mostram que há vida em todo lugar, em muitos lugares. Pequeno porque estes são acessíveis, são finitos e se pode estimar sua finitude. As paisagens interiores, por sua vez, jamais diminuem. São infinitas em cada instante da existência; uma paisagem infinita se esvai e dá lugar a outra com sua própria infinitude, continuamente, instante a instante.
Tomemos um epitáfio, um discurso de funeral ou mesmo um balanço da vida feito em autobiografia. Não representará uma partícula daquela vida somente porque será uma tentativa limitada de traduzir em palavras o que a pessoa viveu — mas também porque, necessariamente, negligenciará essas paisagens interiores de cada momento. A morte, em si (a qual não devemos evitar como um tabu, pois arriscamos sempre, ao viver e ao conviver), será o instante mais patético e dispensável na revisão de nossa trajetória. Virginia Woolf inchada, lívida, sufocando no Rio Ouse, ou os instantes que mirou o horizonte e se imiscuiu da alma de Lily Briscoe enquanto escrevia Ao Farol? Às vezes conseguimos mostrar para os outros um pouco do universo que nos habita — a isso chamamos arte. Mas também a arte é um micróbio desse universo, pois quase nada é posto para fora. Um balanço coerente da vida de uma pessoa deveria considerar — ainda que admitindo desconhecer sua extensão — o universo inteiro. Não deveríamos menosprezar as imagens fantásticas que habitaram um breve instante a mente de uma criança, ou até mesmo as fantasias confusas de um bebê (que relembra a maravilhosa letra de Spellbound, do Siouxsie and the Banshees: “seguindo os passos da dança de uma boneca de pano, estamos em transe”).
Faço um balanço prematuro da vida, então: se me deliciei com milhões de paisagens e aventuras interiores, tive uma vida plena. O que conseguirei transmitir — como arte, em família ou na comunidade — só o imponderável dirá. Meu controle sobre manifestações é limitado, depende de interações externas — não há palavras sem olhos ou ouvidos. O mundo interno — neste vivi de tudo. E finalizo com uma ponderação a meu ver perfeita sobre a maldição que compartilhamos, de jamais visitar mais que a beira das paisagens interiores das pessoas com quem convivemos:
2 Comments
Natalya
10/7/2017 09:20:47 pm
Como você consegue lembrar de tantos detalhes? Escreveu ainda na viagem e estava guardando?
Reply
Rodrigo Bahia
10/15/2017 09:04:33 pm
Naty, que honra recebê-la aqui :)
Reply
Leave a Reply. |
Histórico
Setembro 2018
RASTROS
Todos
Sobre a páginaUm espaço pessoal para compartilhar, sem compromissos, paixões por passeios e pela escrita.
Sobre MimRodrigo Bahia, carioca que alterna carreira jurídica mundo afora com os prazeres e descobertas da filosofia e da literatura.
|