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Itacolomi e Lavras Novas

10/6/2017

2 Comments

 
Atualmente morando no Equador, tive a ideia de montar esse espaço online para que o compartilhamento de algumas ideias me incentive a viajar e escrever mais. Como essa é a primeira publicação, não sei ainda como vai ser a dinâmica. A princípio buscarei ser breve nos relatos e livre nas ponderações. Decidi começar por uma viagem de 2016: Itacolomi e Lavras Novas.
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Itacolomi

Ouro Preto é conhecida por conter uma variedade de atrações culturais. Quando pesquisei um lugar para acampar por uns dias e percorrer alguma travessia, não fazia ideia da existência do Parque do Itacolomi, muito menos do inesperadamente bucólico vilarejo vizinho de Lavras Novas.
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Ouro Preto, Wikipedia

O Pico do Itacolomi marca, um tanto fálico, a paisagem de Ouro Preto. Mas as paisagens que o percurso até seu topo oferece são ainda mais inspiradoras. ​Havia acampado no parque no dia anterior (onde terminei a leitura que me havia imposto como missão: Moby Dick), então pude subir cedo e quase não encontrar ninguém pelo caminho. 
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Quintal da minha humilde hospedagem acampado no Parque do Itacolomi.
Tão ignorante é a maioria dos homens de terra firme no que diz respeito a algumas das mais simples e palpáveis maravilhas do mundo que, sem a menção de alguns fatos simples, históricos ou não, sobre a pescaria, poderiam desprezar Moby Dick como uma fábula monstruosa, ou ainda pior e mais detestável, como hedionda e insuportável alegoria. 
— Melville, o Brincalhão
No trajeto, a combinação de silêncio, rochas e paisagens abertas sempre ajuda a me situar diante da redentora e libertadora insignificância humana.
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Aos pés, escarpa verde e macia
Névoa acolhe, por cima
e Jano, petrificado, silencia:
És escarpa, és neblina

Lavras Novas

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Sabiamente escolhi uma segunda-feira para fazer a travessia da Estrada Real que liga Ouro Preto a Lavras Novas, de aproximadamente 5 horas de caminhada. Total de pessoas encontradas pelo caminho: 0. 
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Bem no início cheguei a ouvir um pouco de Depeche Mode. Depois, só me acompanharam o silêncio, a observação e o peso do mochilão nas costas (minha barraca era de quatro lugares — definitivamente não recomendo para uma viagem solo...!). 
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Os primeiros habitantes a me receber em Lavras Novas.
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Sobre o vilarejo em si, da mesma forma que não existe cidade fria diante de Curitiba, não existe cidade que seja uma graça comparada a Lavras Novas.

Depois de descansar, jantei surpreendentemente bem num hotel cujo nome agora não recordo, depois de percorrer a cidade em busca de um lugar aberto e nisso tê-la conhecido praticamente toda...! 

No início da viagem, no ônibus a caminho de Belo Horizonte, idealizei e rascunhei o ensaio Paisagens Interiores (inspirado na definição que Maria Popova faz de "alma", reproduzida mais abaixo).
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Paisagens Interiores

Vejo uma paisagem. Uma lagoa, uma gaivota. Ela se torna, dentro de mim, inúmeras. Convoca paisagens precedentes, outros lagos, outras gaivotas, desenhadas, pintadas, repetidas em fotografias sucessivas numa sala de cinema, em outros climas e cidades, sob tempestades, sob sóis. E inflama, ainda, fantasias de paisagens que ainda virão —​ lagos, voos, vivências e experiências que temo, que desejo, ou ambos.
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​Ao viajar, o mundo fica grande e pequeno. Grande porque as luzes na estrada mostram que há vida em todo lugar, em muitos lugares. Pequeno porque estes são acessíveis, são finitos e se pode estimar sua finitude. 


​As paisagens interiores, por sua vez, jamais diminuem. São infinitas em cada instante da existência; uma paisagem infinita se esvai e dá lugar a outra com sua própria infinitude, continuamente, instante a instante.
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Progredimos pouco em extrair sentido —​ e menos ainda uso — do diálogo inextricável entre o corpo físico e a paisagem interior psicoemocional que resumimos como 'alma'.
— Maria Popova

​Tomemos um epitáfio, um discurso de funeral ou mesmo um balanço da vida feito em autobiografia. Não representará uma partícula daquela vida somente porque será uma tentativa limitada de traduzir em palavras o que a pessoa viveu —​ mas também porque, necessariamente, negligenciará essas paisagens interiores de cada momento.
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A morte, em si (a qual não devemos evitar como um tabu, pois arriscamos sempre, ao viver e ao conviver), será o instante mais patético e dispensável na revisão de nossa trajetória. Virginia Woolf inchada, lívida, sufocando no Rio Ouse, ou os instantes que mirou o horizonte e se imiscuiu da alma de Lily Briscoe enquanto escrevia Ao Farol?

Às vezes conseguimos mostrar para os outros um pouco do universo que nos habita — a isso chamamos arte. Mas também a arte é um micróbio desse universo, pois quase nada é posto para fora. Um balanço coerente da vida de uma pessoa deveria considerar — ainda que admitindo desconhecer sua extensão — o universo inteiro.

Não deveríamos menosprezar as imagens fantásticas que habitaram um breve instante a mente de uma criança, ou até mesmo as fantasias confusas de um bebê (que relembra a maravilhosa letra de Spellbound, do Siouxsie and the Banshees: “seguindo os passos da dança de uma boneca de pano, estamos em transe”).
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Pelo espaço o Universo me agarra e me engole como uma partícula; pelo pensamento sou eu que o agarro.
— Blaise Pascal

​Faço um balanço prematuro da vida, então: se me deliciei com milhões de paisagens e aventuras interiores, tive uma vida plena. O que conseguirei transmitir —​ como arte, em família ou na comunidade —​ só o imponderável dirá. Meu controle sobre manifestações é limitado, depende de interações externas —​ não há palavras sem olhos ou ouvidos. O mundo interno —​ neste vivi de tudo.

E finalizo com uma ponderação a meu ver perfeita sobre a maldição que compartilhamos, de jamais visitar mais que a beira das paisagens interiores das pessoas com quem convivemos:
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Você jamais poderá conhecer alguém tão completamente quanto gostaria. Mas tudo bem, amar é melhor.
​— Caroline Paul
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2 Comments
Natalya
10/7/2017 09:20:47 pm

Como você consegue lembrar de tantos detalhes? Escreveu ainda na viagem e estava guardando?
Adorei! Vou salvar o blog nos meus favoritos :)

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Rodrigo Bahia
10/15/2017 09:04:33 pm

Naty, que honra recebê-la aqui :)

Eu acho até que coloquei bem poucos detalhes comparados ao que lembro, mas sua pergunta suscitou uma ponderação interessante.

Percebi que as minhas memórias estão muito mais vinculadas ao tempo "parado" que ao tempo andando.

Quando parei para fotografar uma borboleta, quando parei para beber água de um riacho (depois li num site que não era potável... ops), nos cenários mais propícios a fotos, etc.

A maior parte do tempo a caminhada se dá em "estado de meditação", ou "estado de fluxo" como diria o Csikszentmihalyi (arrr deixa eu beber uma água aqui.. arr). Que acaba sendo fundamental para a paz de uma mente inquita :)

Bjs, saudades! Louco para conhecer Sofia! Só para eu pensar, está por aí início de novembro? Até!

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